LIVRO DO LALAU FANADEIRO


Meu grande sonho sempre foi o de escrever um livro. Porém esta era uma missão para mim quase impossível, pois deparava-me sempre com o obstáculo do apedeutismo de que, confesso, infelizmente continuo vítima.

Além do mais, haveria ainda e de igual forma, uma outra dificuldade, a da carência de meios financeiros para custearem as despesas editoriais, em razão de que, depois de escritos, os meus causos jamais teriam como se verem publicados, entrave este que agora - para minha felicidade- vejo contornado graças ao advento desse grande recurso de mídia chamado "Web".

Contudo, confesso que continuo fraco nas letras mas espero que em nada possa afetar essa condição de minha particular carência gramatical, vernacular ou ortográfica, que já não me assusta tanto, agora que descobri a capacidade de digitar ( muito melhor que a de rabiscar), que me facilita tanto no ato de expor todo tipo de ideia que me vem aos borbotões, ao ritmo e ao compasso dos dedos que vou deslizando sobre as teclas do meu computador.

E Isto, para mim, vejo como se fosse música - uma outra terapia a que me recorro de forma lúdica, pois agora posso também "compor e executar" nesse instrumento
que nunca antes nesse país (como assim diria um outro apedeuta, muito mais importante e mais famoso) pude eu adquirir para os meus enlevos.

Portanto será este BLOG o meu providencial recurso para dar forma a meu livro tão sonhado, o qual, mesmo se não for prestigiado por mais de um único leitor (além de mim mesmo), ainda que assim se apresente neste formato digital, para mim já será o bastante para apaziguar-me no enorme desejo de botar para fora tudo o que carrego dentro de mim, desde aqueles breves e distantes tempos em que, nas aulas da saudosa mestra Dona Maria Lopes, eu sonhava dar vida e voz a meus personagens, naqueles únicos bancos escolares que pude frequentar, dos quais guardo as mais ternas recordações e que me trazem tanta saudade, lá do meu querido Grupo Escolar Coronel José Bento.

Não tenho pretensões literárias, nem espero sucesso editoral, mas tenho agora os meios necessários para a vazão daqueles meus ímpetos de contador de "causos" os quais passo a apresentar sem qualquer planejamento ou ordem cronológica (ou em capítulos como seria normal ocorrer em um desses livros concebidos dentro dos tradicionais padrões editoriais).

Sendo assim, irei publicando páginas, diariamente, simplesmente registrando os fatos que forem surgindo na medida em que puder formatá-los de maneira a ser minimamente entendidos pelo leitor eventual, a partir de tudo aquilo já registrado em minha memória.

E será desta forma que espero, ao longo do tempo que me resta, ir deixando consignados, neste espaço, os contos que produzi na companhia alegre dos meus compadres e comadres, através dos intermináveis caminhos espinhosos, empoeirados, íngremes e tortuosos por onde andávamos em busca do nosso sustento, de nossas convivências, de nossas amizades, contando a doce alegria de nossa vida fanadeira, com a qual aprendemos a carregar as esperanças e ilusoes pelos destinos traçados neste chão da simplicidade, do companheirismo, da solidariedade, da amizade e de tudo que for em direção do nosso Bom Deus, justo e maravilhoso que permite a sobrevivência de todos que nele crêem e até mesmo daqueles que o rejeitam.


Agradeço-lhes, na humilde expectativa do acolhimento e também pelas críticas.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

O FORRÓ DE ZÉ DULINO

ZÉ DULINO

Esse nego tem parte com o cão
Toca sanfona de oitenta baixos
Rasga o fole, treme o acordeão,
Faz chorar as damas e os machos
No bate-coxas, no meio do salão.

Esse nego Zé Dulino é traquino
Seu toque é de grande animação
Dança menina, dança menino
No forró do Manezinho Julião

Não vale passar taba, o’ isso não
Dama, por mais que se enfeite,
Não pode causar decepção
E nunca o cavalheiro enjeite
Pra rodopiarem um bão baião.

Senão começa o risca-faca
Apaga-se o lume do lampião
Acaba caindo na taca
A dama sem distinção.

Zé Dulino, de fininho,
Recolhe seu ganha-pão
Já recebeu o dindinho
Deixa os dançarinos na mão.

TIÃOZINHO DE LOURA - A CHALANA

                      
 LÁ VAI MINHA CHALANA,
         BEM LONGE SE VAI ...


--  Um pouco da vida de SEBASTIÃO EUGÊNIO MOTA




 Abscissa


As abscissas dos pontos assinalados são -3, -1.5, 0 e 2.
-
Abscissa é a coordenada horizontal de um ponto num referencial plano de coordenadas cartesianas.
-
Representando esse referencial sob a forma de um gráfico, obtemos a abcissa (x) medindo a distância do ponto observado ao eixo das ordenadas (y), paralelamente ao eixo das abcissas.
-
É representada pela incógnita x num gráfico tipo (x, y), o que significa que representa o objecto sobre o qual a função opera, convertendo-o na sua imagem (y).




Parábola da Saudade

A Abscissa fria,
Pelos meus simples cálculos,
Nem sempre pode ser coordenada,
Na minha fantástica geometria..

Nela, aprendi soletrar –Só- seu nome,
O mesmo de uma santa, o de uma redentora,
Como uma equivalência de letras – na paralela --
Que se reduziram à fórmula simples e perfeita,
Para mim a melhor e a mais Bela.

Imaginei, pensei, calculei e até rezei:
Recorri-me a um terço (1/3)
Para encontrar um meio (1/2)
De levar-te a um quarto (1/4).

Chegamos a um denominador comum:
Unimo-nos.
Calculamos, somamos e multiplicamos.
E assim foi que nos casamos.

De minha parte, sempre me foi melancólico deduzir,
E nunca fez parte do meu plano
Que para vivermos sempre amando,
 Tivéssemos que subtrair ou dividir.

De nossa Soma resultaram-se três novos capítulos
E estes serão prodigiosos, exponencialmente, em razão única de sua geratriz,
Elevaram-se à enésima potência, até ao infinito aonde se encontram todos os vetores,
Até mesmo os mais simples, mínimos, múltiplos, os retilíneos e os sem valores.

Amei-te em todas as fórmulas matemáticas,
Embora meus conhecimentos, nada cartesianos,
Tenham sido demonstrados ou resultados inócuos
Como tratados empíricos, enviezados e sucedâneos

Inculto nas letras frias dos fatos
E nulo nos cálculos algébricos – assim mesmo,  abstrato --
Aprendi na escola da vida
Apenas nos traços de poucas (não mais que quatro).

Em cada uma dessas mais elementares operações,
Que em todas as equações a recíproca deve ser verdadeira.
Embora tenha aprendido, bem à minha maneira,
Carente do sopro pedagógico, que as raízes jamais serão quadradas
E sim, e sempre, eficientes cavadeiras.

Na perspectiva cristalina de minhas viseiras,
Na objetiva do sol, da lua, das estrelas,
Com os pés no chão da terra e debaixo das palmeiras
Ao som da alegria pelas águas corredeiras.

As que rolam pelo mar, pelo rio e pelos internos labirintos,
É no somatório de todos os elementos que sinto,
Equalizados que se perdem no cipoal dos números,
Sem regras, sem fórmulas, sem instintos.
Matando a sede de todos os momentos.

Enquanto ax engrenagenx dos números simples
Muito mais que  o decomposto ou o incógnito,
Fazem-se absolutas e resultaram valores intrínsecos
Num saldo virtual, mais positivo e bonito.

O caldo bom que resultou das palavras claras,
Foi-se no trom severo que ecoou
em parábolas, buscando todas as direções,

Pois sabe-se que a inteligência é uma energia,
Armazenada no cérebro mas que  brota é nos corações,
Uma súmula quântica que daí se levanta, aos borbotões.
E não se perde na amplitude do firmamento.



Como as preces codificadas, as bissetrizes são tangenciais,
Que não resultam circunscritas na auréola do Sol,
Este sim, Radiante, maravilhoso e eterno,
Com suas múltiplas unidades e suas estrelas radiais.

Que a asa do tempo não segue a mesma orientação dos rios.
E a luz, que é um fenômeno físico, se agita na química do raio,
Mesmo se a geometria seja plana ou espacial, com seus giros.
.
O pensamento genial é silencioso
Mas seus estrondos rompem o tímpano de Deus.
A consciência humana é um contencioso
Indisfarçável entre os diáfanos veus..

E, enfim, que para chegar-se ao Sumo Absoluto,
Com o coração de um passarinho e sem dor,
É pela vida seguir, como uma criança, a cada minuto,
Ou como um druída, ser um aprendiz do Criador.

Bastou-me a magia das horas,
E o tempo de sua Bela presença,
Para sentí-la de fato a melhor amiga
Irredutível na sua fibra, forte na sua crença.



Creio em Deus e confio no Seu perdão.
Nesse derradeiro corolário
Carrego leve o meu fardo
Pois no meu simples fadário
Não incluí ódio nem ambição.

Muito mais que um cateto, fui homem
Muito mais que uma parábola, fui menino,
Muito mais que um teorema, fui filho,
Muito mais que uma função, fui irmão.

Comunguei da alegria ao cubo
E da felicidade elevei-me à mais sublime das potências.
Não me preocupei em entender de hipotenusa:
Fui corda e caçamba, um simples Bastião.


AGORA ARREMATO, ENFIM...

Jamais gostei de estar sozinho
E meu mundo era uma multidão.
A todos dediquei meu carinho
Em toda e qualquer ocasião.

A vida é assim, minha Bela:
Tudo tem um fim, uma solução.
Os dias se findam como uma vela
A luz, porém, sempre volta em profusão.

É que de Hora em Hora
-- É a fórmula do destino --
Ontem, amanhã e agora,
Para homem e pra menino

                                   É Deus que a Vida melhora..
                                               E este é o meu caminho..
                                  Nele sigo, é uma estrada sem fim ...
         Eternamente ... 
              TODO DIA,
                            TODA HORA
                                                            SEMPRE SEU:                                                          
Tiãozin.



Nota do autor:
É apenas a tentativa dolorosa de um sobrinho analfabeto homenagar seu querido tio e amigo de todas as horas, companheiro que foram de tantos momentos bons, desde a infância de ambos, passando por outros tantos de dificuldades, durante tantas andanças que percorreram juntos, seja lá em  Itambacuri – onde  ele teve a ventura de conhecer sua esposa, Izabel (Bela), e eu a de conhecer Nilda, ou pelas estradas rurais por onde percorríamos juntos, por muito tempo, a serviço do Banco do Brasil, na região de Minas Novas, quando o inesquecível companheiro sempre se mostrava disponível, alegre e eficiente, um apoio confiável e seguro para toda e qualquer emergência, dando a demonstração de sua competência, de sua honestidade,  sua firmeza de caráter, de sua verdadeira amizade. e incrível capacidade de demonstrar amor, zelo e carinho por todos e por tudo o que lhe era confiado. Tinhámos as horas de descontração —( que foram muitas, é bem verdade!...) pois afinal ninguém é de ferro, mas mesmo nesses momento provava que era incrível o seu poder criador e, deste tempo bom, resta-nos o seu toque de mestre que ficou gravado na AABB, na Barragem do Rio Fanado e  na casa de cada um de nós, a quem nos socorria, como um mago para solucionar todos os problemas da eletro-mecânica-hidráulica-escambáu, de aparelhos domésticos, carros, equipamentos e brinquedos, até nas soluções mais exigentes de técnicas sofisticadas, em situações especiais, desafiando as dificuldades, o desconforto e a ausência de outros recursos, que o lugar onde estivéssemos, naquele momento, nos exigia.
Os termos que designam funções matemáticas foram tomadas a ermo, sem qualquer preocupação com seu real significado, até porque também eu não os entendo em seu verdadeiro sentido, havendo, porém, mais consonância com a finalidade de produzir efeitos poéticos ou de rima, nesses versos sem métrica chamados de “pé-quebrado”. A eles recorro, igualmente, para invocar a verdadeira ojeriza que ambos sempre nutrimos pela “ciência exata”, da qual Bela é bacharela, catedrática, mestra e que, através dos conteúdos programáticos e pragmáticos, fez brilhante carreira como bancária do BB agência de Minas Novas, onde labutou com denodo admirável por mais de 25 anos.
Já a palavra BASTIÃO, que também é uma variação reduzida de Sebastião, assume o seu mais contundente sentido, conforme aparece nos dicionários: trincheira; muro que serve de anteparo ao ângulo saliente de uma fortaleza; baluarte;

Como sentido figurado, pode ser alguém que é como um símbolo inabalável de algo, uma "fortaleza" mesmo, de como era,  Tipo: Super Homem, que na ficção  é um bastião dos bons costumes e da justiça.
Tiãozinho não foi uma ficção, um conjunto vazio, sequer um número.
Tião é e continuará sendo uma Lição.
Uma lição de vida,  de grande amizade e de companheirismo..


Dirigindo com maestria o volante de seu carro, pelas estradas esburacadas ou enlameadas, conduzindo-nos, os funcionários do BB ou os malotes vindos dos Postos de Atendimento, sempre alegre e atento, quando não estava cantarolando sua “Chalana” ou solfejando cantigas do cancioneiro popular da região (como o “Louvado Seja Deus, Bastião roubou um frei, para sempre seja louvado Bastião tem um freio roubado ...), Tiãozinho de Loura também gostava de poesias e, quase sempre, os versos  que mais apreciava eram estes, de autoria de Alvarenga Peixoto, que ele declamava com entusiasmo e paixão, acentuando a toada e a rima.

BÁRBARA BELA
Bárbara bela,
Do norte estrela,
Que o meu destino
Sabes guiar,
De ti ausente,
Triste, somente
As horas passo
A suspirar.
Por entre as penhas
De incultas brenhas,
Cansa-me a vista
De te buscar;
Porém não vejo
Mais que o desejo
Sem esperança
De te encontrar.
Eu bem queria
A noite e o dia
Sempre contigo
Poder passar;
Mas orgulhosa
Sorte invejosa
Desta fortuna
Me quer privar.
Tu, entre os braços,
Ternos abraços
Da filha amada
Podes gozar;
Priva-me a estrela
De ti e dela,
Busca dois modos
De me matar!

A CHALANA
Tom: D
Intro: D
 
D
Lá vai a chalana
A
Bem longe se vai
D
Navegando no remanso
A
Do rio do Paraguai
G
Ah! Chalana sem querer
D
Tu aumentas minha dor
A
Nessas águas tão serenas
D
Vai levando meu amor
G
Ah! Chalana sem querer
D
Tu aumentas minha dor
A
Nessas águas tão serenas
D
Vai levando meu amor
E assim ela se foi
A
Nem de mim se despediu
G
A chalana vai sumindo
A              D
Na curva lá do rio
E se ela vai magoada
A
Eu bem sei que tem razão
Fui ingrato
D
Eu feri o seu meigo coração
G
Ah! Chalana sem querer
D
Tu aumentas minha dor
A
Nessas águas tão serenas
D
Vai levando meu amor
G
Ah! Chalana sem querer
D
Tu aumentas minha dor
A
Nessas águas tão serenas
D
Vai levando meu amor...
 

TIÃOZINNO não foi um martir,
nem vilão, muito menos um santo.
Também, não foi um artista.

  Foi, meu amigo, uma luz, uma energia boa e abundante mas que não se esvaiu, apenas mudou de lugar, assim tão abruptamente, como a que se apaga ao toque do botão da parede, na hora de dormir, mas que vai ser acesa, a qualquer momento, em qualquer outro lugar.
A alma é a energia que deve sair do corpo, para evoluir, para buscar outros mundos, onde vai residir entre os que já se foram e que lá, perto de Deus, nos esperam.
E, entre todos os que lá estão, teremos agora – e toda hora – mais um que,  para nosso contentamento e consolo, sabemos e temos a maior certeza de que o Bom Deus poderá confiar plenamente, como o de melhor figura e o mais competente para deixar o ambiente do céu sempre agradável e descontraído, na companhia de quem se especializou em ser humilde, iluminado, amável, simples, disponível e eternamente bom.
Nessa sua nova dimensão e convivências, no gozo de todos os créditos a que faz jus pelo que aqui deixou, em pese nossa imensurável tristeza, lembrará ele, sempre, que muita falta está fazendo entre todos nós e que lhe pedimos, por favor, jamais deixe de se enterceder pelos que aqui ficaram cheios de saudade e de desgosto.


Não foi a vida que você deixou:
Mas foi você , que aventureiro e travesso, a chamado de um melhor amigo, mais sábio, mais justo – atendendo-lhe ao divino aceno e em busca dele, pela ai se foi  para com ele se encontrar.



O LOUVADO DO BASTIÃO
Mas cuimé qui-é. Cumé qui há de sê.
Ocê nunca mi viu e tá quereno mi vê?
Dá sei jeito, vê o sujeito,
Meu capão juriti, eu tou prumode  ocê, meu bem qui eu tou aqui,
Eu tou aqui, patroa eu tou aqui, eu tou aqui. Eu tou aqui
.Louvado, seja Deus, Bastião roubou um Frei
E para sempre seja ele louvado,
Bastião tem um freio roubado,
Se não fosse o padrim dele,
Bastião tinha apanhado.


Mas, cumé qui é .... (bis)


Ocê sorta fuguete,
No meio da fonção
Nós arrebenta bomba
No meio da confuzão
Nós faz a maromba
Ja vem a plantação
Nós joga a semente
Prá colher o feijão.
Nós planta o mio
E carpe o algodão
Muié, faz o pavio
E acende o lampião.

Ocê pila o caroço
Nós frita o leitão
Oia a moça, olha o moço
Cuidado qu’essa mão.
Nós canta no terço
E todos nóis rezemo
Nós joga uns verso
E todos vai cumemo.
O seremo vai caindo,
Apagando o tição
Os minino tá durmino
E o catre tá tão bão.
O cará tá lá no fogo
Mandei Maria oiá
Maria remexeu virou
Deixou meu cará queimá!

O touro tá no arame
Lambarí tá no borná
No beiço melado lambe
Tá dentro do fuzuá.
Quem nunca comeu melado
Quando come se lambuza
Se não quer o beiço inchado,
Das cabocla  num abusa;
Quem respeita a nossa dança,
Reza,  Canta, roda e come
E no meio dessa Festança
Muié feia pra mim é  home
Come coco, farinha e doce
De batata ou de mamão
Mas se tudo não fosse
Pra arrematar lá no leilão.
No forró é só angu
Merendê ou broão
Debaixo do mulungu
Rebenta mais um rojão.

(Trovinhas coletadas nos folguedos rurais da região de Minas Novas)
Lalau Mota
Belo Horizonte, 02 de outubro de 2007

sábado, 1 de janeiro de 2011

A IGREJA DE SÃO FRANCISCO JÁ TEVE DUAS TORRES.

 

DE COMO A IGREJA DE SÃO FRANCISCO FICOU SEM AS DUAS TORRES E O PORQUÊ DA CIDADE SER, ATÉ HOJE, UM LUGAR MAL-ASSOMBRADO

Em minha terra natal, a gloriosa cidade de Minas Novas,  tão distante da capital mineira e empoleirada sobre um dos bucólicos e hospitaleiros espigões do espoliado Vale do Jequitinhonha, foi ali que no início do século passado, de forma espantosa e picaresca, sucedeu uma das mais reais e espetaculares incursões de Belzebu.

Tudo, naquela época, aconteceu em virtude de um antigo trato que na altura daqueles fúnebres e tenebrosos episódios, certamente não teria finalizado daquela forma, se não fora a razão, de que a parte devedora, naquele pacto, haver-se esquecido de cumprir boa parte do prometido àquele que se apresentava para receber o que lhe era de direito..

A  insólita façanha se deu pelo fato de que o Coronel Zebentão, então conhecido pela alcunha de Ferrabraz, desgastado chefe político que ainda sonhava com os tempos da monarquia, haver-se empenhado corpo e alma com Mefistófeles, em troca de poderes e riquezas.

E assim, nos termos do combinado, e já transcorrido e expirado o prazo que pactuaram, eis que em pleno meio-dia o tempo se azedou, justamente quando uma forte ventania, vinda lá das bandas canhotas, trazendo ventania, violentos raios, repetidos trovões e um lúgubre redemoinho, quando apareceu no meio deste tornado o horripilante tinhoso que, abruptamente foi logo surrupiando o ilustre defunto que já se encontrava bem ataviado dentro de seu caixão para o seu solene sepultamento, nos porões da Igreja de São Francisco, cujo local, segundo os costumes daquele tempo, era destinado ao sepultamento das pessoas importantes do lugar.

O “dito cujo”, o “imundo”, o “coiso”, justo na hora das "exéquias", surgiu no meio daquela tempestade, com suas imensas asas de morcego, levando consigo o defunto e, na mesma velocidade, foi logo desaparecendo dentro duma nuvem negra e impregnada de enxofre, carregando pelos ares o presunto daquele que era o objeto da referida negociata e no lugar do corpo do falecido coronel, dali escafedido, aos  familiares apavorados e muito vaidosos, não tiveram outro recurso senão o de providenciar um boneco confeccionado de tronco de bananeira devidamente complementado e encimado com uma oportuna caveira de jumento, que acharam no quintal, recheando o esquife fúnebre para que se realizasse o féretro e ultimando assim, para contornar o vexame, os preparativos do cortejo até ao local dos enterros, por sinal, na Igreja que antes pertencia à Ordem Terceira de Nossa Senhora da Conceição do Bom Sucesso, fundada pelo espanhol Cônego Pacífico Peregrino de Melo e Silva..

O epsódio aconteceu justamente no exato momento em que o padre, que era um parente do defunto, fazia a encomendação daquela alma e iniciava a asperção de água benta sobre o ataúde. Foi nesse instante que se ouviu um pavoroso estrondo e o sol, que estava radiante, de repente se escondeu,  irrompendo-se, logo em seguido, uma copiosa tempestade, cujos raios violentos ceifaram as duas torres que até então guarneciam aquele templo. 

Naquele prodigioso momento a multidão, em desespero, procurou ganhar o Largo de São Francisco donde vinham levantadas diversas vacas assustadas que ali se recolhiam devido ao repentino escurecimento do dia, levando nos chifres as pessoas e padres, pisoteando a todos e a tudo pelo caminho, causando uma azáfama sem precedente.

Contou-me o ocorrido uma velha tia-avó, que a tudo presenciou naquele fatídico dia de sua juventude, quando ela própria sofreu sérios ferimentos,  tendo quebrado pernas e ficando aleijada dos quadris pois foi arremessada aos ares por uma chifrada jamais esquecida, tendo vivido apavorada e capenga, até há pouco tempo  quando veio a falecer com mais de cem anos de idade e tendo muitas outras revelações de passagens que pontificaram a história de nossa cidade e de nossa gente, casos que procurei registrar com bastante fidelidade, pelos quais tenho algum receio em divulgá-los somente para não constranger os parentes das personagens envolvidas.

O presente caso, de qualquer forma, poderia ter sua autenticidade confirmada por um acadêmico famoso, que se diz natural daquela antiga e mal assombrada comuna e onde ainda existem bodes fantasmas, lobisomens, mulas-sem-cabeça e a fama de que ali nada vai pra frente por causa do enterro de uma queixada de jumento no lugar de um defunto que fora excomungado até sua última geração.

E para quem não acredita em almas penadas e em outras entidades do mal, recomenda-se visitarem a cidade de Minas Novas onde se pode identificar, com bastante clareza, que ali estão reavivadas as pegadas deixadas pela ação malévola daqueles que sempre carregam a praga do atraso e do abandono, onde tudo hoje tem a chancela e a orientação no sentido de uma derrocada sempre crescente, onde o clamor  do povo e seu murmúrio de forma inequívoca, dão a certeza de ter sido ele ludibriado e duramente infelicitado com o resultado da união daquilo que sempre fora ruim com a outra parte, também da pior escória, oriunda dos cafundós tenebrosos de onde só poderiam ter vindo mais bagagem de rancores, dores e sofrimentos.

E isso não é brincadeira, não ...



Nota:

Dizem que o castigo deu-se em virtude de que o coronel José Bento Nogueira (Zé Bentão), declaradamente ateu e contrário à instalação do bispado na Vila do Fanado, foi um grande perseguidor do Cônego Barreiros, tendo ainda promovido a ruína e a demolição da Igreja Matriz de São Pedro, lindíssimo e amplo templo que foi construído para ser a Catedral Sé da nova diocese.

Como o mesmo foi excomungado até à sua quinta geração e não podia ser enterrado em terreno sagrado (dentro de uma igreja) tiveram que levar o ataúde, o seu caixão contendo o arranjo que colocaram no lugar do corpo, para o terreno onde depois foi construído o atual cemitério, cujo mausoléu ainda existe e fica do lado esquerdo da capelinha atualmente desativada.
[1]





















 

MINAS NOVAS –

UM EXEMPLAR RARO DE GEMA MINERALÓGICA



Minas Novas - pedra rara, talvez um diamante de tamanho impar, de beleza insuperável e de valor incalculável.

Na literatura mineralógica ha a referencia do termo “minas novas” como uma espécie de gema desaparecida, isto é, variedade mineral exaurida e extinta no meio natural. Os exemplares raros  -- dos quais se tem vagas noticias -- possivelmente estão entesourados,  não catalogados ou ainda guardados a sete chaves em poder de colecionadores e museus.

O termo se refere, também, aos novos descobertos de veios auríferos na região do rio Fanado (Tamboá), cujas ocorrências se verificaram no século XVIII, logo após a decadência das “lavras velhas” ou “minas velhas”, referência às regiões de Ouro Preto, Mariana, Sabará, Raposos, Caeté, Congonhas, Santa Barbara  e outras.

As pedrarias sempre foram muito valorizadas, no entanto era o ouro o mineral mais cobiçado pelos colonizadores, pois ate mesmo os diamantes eram desconhecidos no Brasil, ate quando foram reconhecidos, acidentalmente, no antigo arraial do Tejuco (hoje Diamantina) onde as referidas pedras eram utilizadas apenas como tentos para marcar jogos de gamão.

O antigo município de Minas Novas (Vila do Fanado), que compreende o território onde se localizam todos os municípios do Vale do Mucuri e a maioria dos municípios do Vale do Jequitinhonha, é considerado como uma das maiores províncias minerais do mundo, com uma enorme variedade de elementos raros e valiosos, dentre eles alguns muito pouco conhecidos como o urânio, o lítio,  o wolfrand, o silício, o tungstênio e o antimônio, alem do diamante (minas novas?),  ouro e pedras coradas de grande importância econômica e cientifica, na industria bélica, de instrumentos ópticos, de aparelhos  de precisão e na joalharia.

Está comprovada a ocorrência, na região do Ribeirão do Meio, Forquilha e do Bonsucesso, onde permite-se exploração econômica ainda não viabilizada, de calcita (caulim), florita e talco (minerais largamente utilizados na indústria farmacêutica e de cosméticos), de barita (bário, utilizado em material fotográfico), na região de Jacu, Rubim e Debaixo da Lapa, monazitas (bório, ítrio, etc) nas Mangabeiras, Pimenteiras e Ribeirão da Folha,  rochas de itabirito (ferro) na região do Cansanção e Capivari,, de quartzos (para cerâmica branca e vidros) em quase todo o município) e silicato de berilio (crisoberilo “olho de gato”, safiras escuras,  esmeraldas,  malacacheta, etc.) na região do Gonçalo – Caieiras - Olaria – Córrego das Almas.

 



TEOPHILLO BENEDICTO OTONNI



Nasceu na cidade do Serro, em 17.11.1807 e faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 17.10.1869, vitimado por prolongada enfermidade de malária, contraída na região do Rio Mucuri;  estava, então, no exercício do cargo de Senador da República, após ter sido eleito e indicado pela quinta vez, para a mesma função e sem  ter sido reconhecido, das vezes anteriores, pelo poder monárquico, de vez que era um dos seus mais ferrenhos oposicionistas na corte, defensor do liberalismo e do regime republicano.

Iniciou sua carreira política como Deputado Provincial de Minas Gerais, na Segunda legislatura (1838-1839), conforme registrou o historiador João Camilo de Oliveira Torres (“in” História de Minas Gerais – pag. 1294 e 1295 – vol. Nr. 5 da 2ª edição).


REVOLUÇÃO LIBERAL

Em 1842, disfarçado com o nome de “Dr. Magalhães” e portando documentos falsos, participou de um intenso tiroteio com as tropas comandadas por Luiz Alves de Lima e Silva (Caxias), no combate verificado na cidade de Santa Luzia (MG), onde esperava reforços que seriam enviados pelo comandante David Carabarro, um dos líderes da Guerra dos Farrapos, os quais não chegaram, resultando daí a sua derrota e sua prisão como um dos principais responsáveis pela revolução armada. Esta revolução foi motivada pelo inconformismo dos liberais, que não aceitavam como legítima a coroação de Dom Pedro II e defendiam a implantação de um regime republicano.

Foi levado acorrentado,  e a pé, de Santa Luzia até Ouro Preto e dali foi enviado para o “degredo” que foi cumprido em um sítio próximo à cidade de Minas Novas, onde permaneceu confinado até o ano de 1848, quando foi julgado e absolvido.

Neste período, devido seu brilhantismo como advogado militante no Termo Judicial recentemente criado, e de suas cartas que dirigia ao Governo (com o pseudônimo de “Magalhães”), em que elogiava a postura exemplar do Duque de Caxias, seu vencedor, deste mereceu reconhecimento como um influente líder e dele recebeu incentivos no sentido de desenvolver ações em benefício do desenvolvimento regional, período esse em que idealizou a fundação de uma Companhia de Mineração da Região do Fanado e outra de Navegação e de Exploração Comercial do Rio Mucuri, que julgava ser navegável a partir de Santa Clara (hoje Nanuque), tendo construído a primeira rodovia carroçável do Brasil, com mais de 300 km. e pela qual foi possível transitar as caravanas que viabilizaram o desenvolvimento dos distritos de Mucuri e Urucu (hoje Carlos Chagas), impulsionando o progresso de Nova Filadélfia, hoje Teófilo Otoni. Mesmo depois de conquistada a liberdade e a simpatia do Duque de Caxias,  continuou divergindo-se da monarquia e, no Senado, jamais se posicionou como súdito do Imperador, negando-se a prestar-lhes as honras como chefe de estado e de beijar-lhes as mãos como era de costume fazê-lo os seus pares do legislativo.

Devido a seus princípios liberais, contrários ao regime monárquico vigente, não obteve muito sucesso na aprovação de muitos de seus projetos de desenvolvimento, para os quais lhe foram negados os financiamentos e as liberações dos recursos necessários, tendo, contudo, devido a suas fortes ligações com diplomatas influentes, como o Montezuma, e de investidores estrangeiros que demandavam ao Brasil, obteve êxitos consideráveis atraindo o interesse de colonos europeus, principalmente germânicos,  que se instalaram na região do Mucuri e que deram continuidade a seu sonho desenvolvimentista.

O confinamento do liberal Teófilo Otoni, para o degredo no termo de Minas Novas, explica-se pelo fato de que o referido político, apesar de sua oposição ao regime monárquico, nele contava com a simpatia de várias autoridades graduadas que sabiam que naquela cidade ele encontraria ambiente favorável para desenvolver seus projetos a favor do movimento abolicionista, indigianista e de desenvolvimento econômico através da implantação de sua acalentada “colônia”. Nesse sentido é importante citar a influência de Guido Marlieri, do Visconde do Jequitinhonha (Montezuma) e do próprio Duque de Caxias, que se tornou um seu aliado e incentivador.
           
O termo de Minas Novas havia sido desmembrado da comarca de Serro e a figura do liberal seria de grande importância para a organização judiciária daquela região que, desde muito tempo, ressentia-se da alternância administrativa que lhe inviabilizava o progresso, apesar de que, esta preocupação já se revelava bissexta em virtude do esvaziamento motivado pela exaustão das lavras de ouro e do empobrecimento da cultura do algodão, já uma região em adiantado declínio político e econômico.

Em Minas Novas, o “Dr. Magalhães”, que na realidade era o liberal Theophillo Otonni, que ali cumprira seu degredo, já anistiado, foi advogado, professor e comerciante.

 Fundou, ali, a sua Loja Maçônica “Nova Philladelphia”, que foi  transferida, logo depois,  em 1862,  para o distrito de Filadélfia, às vésperas de sua emancipação como cidade de Teófilo Otoni.



O BODE DA MAÇONARIA


Com a transferência do “Dr. Magalhães”, levando para o Mucuri o seu estabelecimento comercial, sua banca de advogado e sua loja maçônica, iniciou-se uma verdadeira corrida que culminou, pouco tempo depois, com o completo esvaziamento da cidade de Minas Novas e o conseqüente “inchaço” do distrito de Filadélfia, para onde se mudaram, também, os principais comerciantes, fazendeiros, artesãos, oficiais e profissionais liberais.

Segundo a crônica popular, a antiga Vila do Fanado ficou como uma cidade fantasma onde perambulavam os mendigos e os loucos que ficaram abandonados, além de muitos dos animais que se negaram a acompanhar os antigos proprietários, rumo à “terra prometida”  de Todos os Santos e do  Mucuri.

Dentre aqueles animais insubmissos, ficou da “arribada” um curioso bodogô, que por muitos anos foi mascote dos maçons, como era de costume haver um, daquela espécie, para os ritos da Fraternidade, o qual não se deixou levar, de forma alguma, para o novo endereço e tendo ficado ele, solto pelas cercanias do Fanado, onde passou a imperar como requisitado reprodutor. Passando-se o tempo, o velho bode já não contava com o vigor necessário para atender à imensa população caprina, que de forma mais intensa exigia-lhe empenho e lhe apertava o assédio. Vendo-se acuado, certo dia, diante de uma enorme fila de fêmeas que aguardavam sua vez, ele se apavorou e, procurando fugir daquele aperto, subiu no telhado da Fazenda do Mirante e, dali,, alcançou a torre da igreja, tendo sempre no seu encalço a multidão de cabras no cio, não lhe sobrando outra alternativa senão a de se precipitar sobre os lajedos do Córrego Manoel Luiz, onde teve morte trágica.

Daí a fama, ainda hoje, do histórico “Bode de Minas Novas”.

*  *  *  *
(Fontes>  Rubens Leite, Olympia Araújo, João Elisiário,  Miné Cristianismo, Monsenhor Otaviano,  Manoel Magalhães, Lilia Mideldorff, Panjiru e Victor Nery.)





























 

 

O OURO DOS CRISTIANISMOS



No início do século 20 a pobreza do Vale já estava completa com o esvaziamento da região, o que foi agravado, ainda mais, com os períodos seguidos de seca que se arrastaram, em ciclos, até 1929 e devastou o norte-nordeste de Minas e quase toda a Bahia. A violenta crise obrigou a população a voltar aos antigos garimpos, revirando novamente os leitos já exauridos dos rios e córregos secos e os desmontes das antigas minas e lavras. Em toda a região era visível o estado calamitoso das multidões de famintos e de pedintes.

As cidades se esvaziaram por completo e a população procurava as margens do Jequitinhonha, do Araçuai e alguns dos afluentes deste, onde, além de ficarem próximos da água, podiam eventualmente conseguir um pouco de ouro, através do processo de lavagem em bateias. Em Minas Novas os garimpos foram reabertos e  tanto o Fanado como o Bonsucesso tiveram suas margens ocupadas por aventureiros vindos de toda parte, invadindo terrenos particulares e abrindo crateras por toda a parte. Houve intervenção das autoridades, visando conter as desavenças e também para evitar os riscos a que se submetiam, tanto pela precariedade dos meios utilizados, como pela falta de experiência naquele trabalho que já estava quase em desuso por parte da maior parte dos aventureiros.

O certo, porém, é que o último recurso era o garimpo do ouro. No início de 1930, finalmente, verificou-se um temporal e várias lavras de cristal foram descobertas, mas essas pedras só começaram a ter algum valor econômico depois de deflagrada a Segunda Guerra Mundial, quando se intensificou sua utilização na indústria bélica, a exemplo da mica (malacacheta) e da borracha que, nesta região, também passou a ser explorada com a extração precária do látex das mangabeiras. Mesmo assim, o garimpo do ouro continuou sendo explorado, principalmente no sítio do Bau e no Córrego do Indaiá (Baixa Quente), onde os proprietários dessas terras liberaram a exploração, não se importando com os danos ambientais dela decorrentes, compadecidos pelo estado de necessidade dos que ali iam buscar o sustento de suas famílias. Nos demais locais, em qualquer outra parte do Fanado e do Bonsucesso o garimpo estava sob o controle do chefe político local, só podendo neles garimpar quem tivesse autorização expressa do Dr. Chico Badaró.

 Os tempos eram de ditadura e tudo servia de pretexto para colocar-se a população sobre rigoroso controle, obtendo-se, naquela situação extrema, os dividendos dos quais não abrem mãos os opressores e os aproveitadores das mazelas humanas, muitas das vezes chegando esses tiranos, chegando-se a ponto de tripudiarem sobre os infelizes, que eram seus desafetos por questões de antigas disputas eleitorais, ou por simples picuinhas de adversários políticos. Os efeitos dos duros tempos da seca ainda eram permanentes.

O sofrimento agravava-se mais e mais.

Nessa época havia na cidade um homem que, em tempo algum, em razão de suas convicções pessoais, pelo seu temperamento respeitoso e pacato, jamais havia manifestado suas preferências políticas, tendo procurando, sempre firme e alerta, manter-se longe das disputas eleitorais, conservando a sua neutralidade e preservando um cordial convívio com todos os habitantes do lugar, até porque, sendo numerosos os seus filhos, acreditava que o melhor para si e para eles era não tomarem partido a favor ou contra de quem quer que fosse.

Tinham, ele e os filhos, por profissão, o ofício de ferreiros, como era da tradição que já vinha desde seus distantes antepassados, por diversas gerações, só que nesse ramo de trabalho, como de resto a todos os outros exercidos honestamente por outros oficiais e artesãos do lugar, não estava proporcionando-lhe rendimentos nem mesmo suficientes para a aquisição dos gêneros de primeiríssima necessidade, como os alimentos para a enorme prole.

Premido pela situação, e não encontrando outro caminho, resolveu procurar o chefe político para conseguir-lhe um alvará que o autorizasse, junto dos seus familiares, de uma faixa do rio onde pudessem garimpar. O pleito lhe fora negado, pois a neutralidade de um eleitor era entendida, pelo Dr. Chico, como uma postura de desobediência, dentro desse princípio autoritário de que, quem não é a favor, automaticamente estaria contra, e nessa condição de “adversário”, também não poderia pleitear e nem receber os benefícios do seu poder. Contudo, estava ali, a oportunidade do rancoroso mandatário de humilhar aquele pobre pai de família, honesto e trabalhador, mas que era um “neutro”, um “arrogante”, “um atrevido”, somente por ser uma pessoa indiferente ao partido do coronel, embora nunca ter
E o alcaide, para não deixar passar em branco aquela oportunidade de “enquadrar” o postulante a garimpeiro, encaminhou-o, junto dos filhos, não ao serviço que pleiteavam, mas ao serviço de limpeza pública, com a intenção de espezinhá-los, humilhá-los, designando-os para aquele trabalho árduo de capinar as pedregosas ruas, becos e morros da cidade, para expô-los  à comiseração popular.     

E era comovente de ser ver, aquele homem, simples, mas de caráter ilibado e de boa índole, ali, debaixo de sol e de chuva, junto com seus inúmeros filhos, naquele trabalho tão primário para quem estava afeito a ofícios mais primorosos de fundição, de torneamento, de artífice e de armeiro, obrigado pela falta de opções de trabalho, arrancando com as mãos, sem o emprego de ferramentas, os carrapichos, os nardos, os marotos, as malvas e as gramas que brotavam entre as pedras do calçamento e dos barrancos pedregosos das vias públicas, como forma de conseguir algum recurso honesto para a sobrevivência do seu inocente grupo familiar.

Contudo, resignados com aquele trabalho humilde, para o qual foram encaminhados com a finalidade de servir-lhes como punição, procuravam eles executá-lo com a presteza e a forma correta, dentro do que seria a expectativa do empregador, evitando dar-lhe margem para qualquer oportunidade de reclamação.

No desempenho dessa atividade, notou o diligente oficial, agora operário da limpeza urbana, observando acidentalmente as raízes das malvas e das gramínias que eram arrancadas em determinadas concavidades do terreno, que nelas ficavam retidas porções mínimas de ouro em pó (de aluvião) que a enxurrada para ali carreava dos